10.12.10

é verbo intransitivo

O gadjet na área de trabalho marca 25 graus, tempo bom, até uma lua estampa o quadradinho. Olho pela janela do 18º andar e uma névoa esconde alguns relâmpagos lá longe. A garoa, foi só a amiga perguntar e eu responder com um “ainda não”, agora me pega todo dia, na saída. Não consegui alterar o gadjet. Gosto de ver “Londrina” escrito nele.

Foram onze anos me acostumando com a idéia de ter me tornado, sabia-se lá por quanto tempo, cidadã paranaense. Muito melhor: londrinense. E cidadã no sentido mais completo da palavra – longe de ter praticado uma cidadania “perfeita” (se é que isso existe, tendo o ser humano a comandá-la) – creio que foi mesmo a terra vermelha quem me ensinou a ser.

No fim, acho que Londrina também acabou se acostumando a mim. Eu não imaginava.

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O gadjet marca a terra que fez as marcas mais profundas. O sábado em que parti com o carro cheio de tralha, costas cansadas de mudança e o coração leve e pesado deixou mais uma delas na lembrança. Como esquecer aquele por do sol dourando a plantação e ensaiando uma aquarela bonita, mas tão bonita, no céu tão azul? Lembro bem que, logo que cheguei, caloura irrestrita, o Calçadão da avenida Paraná (o do falecido petit-pavet) e essa imensidão azul me impressionaram na cidade dita planejada. Se “seta de carro era (é, na verdade) opcional”, a presteza do londrinense bateu de vez o martelo quando fiquei em dúvida sobre onde fincar a vida adulta. Não precisava de muito mais, pensei. Que engano.

“Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?” Eu precisava de muito mais, ainda. Por isso Londrina me ensinou também que o amor tem tantas faces, e que a vida as vai revelando aqui, ali, lá longe, cá dentro, no tempo certo. O tempo que eu não posso controlar, mas que transcende muito além dos ponteiros de um relógio.

Um amor que faz crescer e que cura. Que martela a alma e que sorri no fim de uma semana pesada, na sexta-feira das saudades e das contagens regressivas diárias. Que acalma, sossega e transforma tudo em lava vulcânica de novo – um amor desordenado e mesmo assim cheio de sentido. Amor que ensinou a entender, enfim, que a escolha profissional é pedaço tão importante da escolha de vida quanto a família que o garante seguro. Essa família sem o laço de sangue, porque nem precisa disso: existe e pronto. Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? As criaturas me ajudaram a encontrar essa resposta.

Sou uma multiplicadora de saudades. Londrina é a potência da equação.

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Nas tralhas de seis anos de rua Alagoas – uma de tantas ‘capitais’ londrinenses e inesquecíveis –, encontrei cartazes de algumas edições do Festival Internacional de Teatro, o Filo. Nunca viraram os pretensos quadros, porque a paixão pela ideia logo esmoreceu. Junto com aqueles canudos, mas não do festival, um deles trazia esta mensagem:

“Algún dia / Em cualquier parte / Indefectiblemente,

Has de encontrarte contigo mismo / Y solo de ti depende

Que sea la más amarga de tus horas / O tu mejor momento”

Um tal de “M. de Combi” que assina. Sabido, esse moço.

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Hoje é aniversário de Londrina. Não tem garoa que embace a gratidão que eu carrego.

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Forasteiro - Thiago Pethit

27.9.10

farol de neblina

Demorei alguns anos pra pedir a segunda via do meu diploma, extraviado numa besteira que nem vale a pena comentar, ou a trilha pra isso aqui seria a da turma do finado Mussum. R$ 95 pilas pra papel vegetal, 40 dias de espera, o fim de outra espera com o danado na mão. Bom, bom, bom.

De manhã, a certificação de que sou jornalista formada - se não, pro Ministério do Trabalho, serei jornalista profissional, sem deproma. De tarde, a certificação de que se pode ser o que quiser, se os olhos não estiverem fechados, os ouvidos tapados e a boca, convenientemente cerrada. Nunca tinha visto tão de perto, e numa situação tão banal, uma cena de abuso de autoridade. O poder da farda inebria, evapora a pele civil que há por debaixo dela, pra alguns, e atravessa os direitos do outro de uma forma desastrosa. Isso é triste de ver, mas açoita algo mais que a nuca daquele rapaz que tomou um choque e uma cacetada já em condição de dominação: o outro é apenas o caminho por onde eu posso e devo passar. Que merda, isso. Sorte e azar, eu e um amigo fotógrafo vimos e, antes que nosso queixo caísse um pouco mais, registramos tudo na memória e no cartão da nikkon. Ouvi um "deixa eu trabalhar, moça" do fardado e pedi a ele que, daquela forma, não precisava guardar a segurança de quem lhe confiava - e bancava, mensalmente, com benefícios - a missão. Às 4 da tarde, em centro "cívico", é assim que se vê um sujeito agir se o seu motorista atrasar (ufa) um pouquinho. À noite, fora desse espaço de civilidade, não quero imaginar o que rola, ou a minha noite vai ser longa no duelo de pensamentos. E não dos pensamentos de gente louca e doce com quem convivo.

No dia em que pedi de novo meu diploma, renovei, sem ele, a crença nas transformações que o ser humano pode fazer à medida em que não se deixe transformar em pedra. Hoje também foi dia da caridade - e "cáritas" vem de amor, solidariedade - e um dia de muita, mas muita neblina em Londrina. De manhã e à noite, ainda bem.
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florindo - mariana aydar

21.9.10

efeito colateral

Eita mundão velho sem porteira. Porteira pras não-meias-palavras, bem entendido. Mundão de eufemismos que, no raso, no raso, não soam mais que fajutices da falta de coragem, de tato ou simplesmente do raio que o parta. Que me importa; só acho mesmo, de verdade, uma besteira só, usando também um eufemismo. Vamos a elas.

Por exemplo: o sujeito se julga "sincero demais" (ou pretende sê-lo, mas também não consegue). Não é sincero - é grosso, insensível à opinião ou ao sentimento alheio, o umbigo dele é o que importa. Resumindo: "sou foda e o mundo que se vire". Encaixa-se a expressão, ocasionalmente, no igualmente desprezível "o que eu tenho de falar, falo na cara". Adoro gente corajosa assim - esses costumam ser os primeiros a encontrar outros corajosos no caminho, com ou sem um espelhinho na mão.

"Não querendo me intrometer, mas já me intrometendo..." - claro que queria se intrometer. Se não, que sentido teria a sua vida, não é mesmo? Você vive dos restos que caem das histórias alheias. Quem sabe compõe a sua, desses retalhos, algum dia.

"Esses preços estão pra hora da morte" (que coisa antiga...) - então, pensando bem literalmente nas palavras, não reclame. Afinal, talvez você nem tenha de pagar por eles.

"Sou muito legal, mas quando pisam o meu calo..." - na verdade eu sou bacana quando convém. Quando você me sacanear, me encher o saco ou quando eu me enjoar de você, dou o chega-pra-lá e te mostro, de verdade, quem eu sou.

"Eu podia estar matando, eu podia estar roubando..." - mas estou fazendo algo de pouca ou nenhuma relevância a mim ou ao meu próximo, neste exato momento, a menos que esteja trabalhando pra pagar (por exemplo) o licenciamento obrigatório que o Detran, gentilmente, me lembrou esta semana.

"Menos é mais" - mentira. Se você ganhasse aquela Mega de R$ 90 e tantos milhões, não faria a caridade pseudo-reprimida desse eufemismo. Se ganhar e mudar de ideia, porém, já sabe. Levo você à agência BB do Calçadão em Londrina com a prontidão de um candidato numa comunidade carente e indecisa.

"Ei, como que você tá?" - não, seu tolo, não responda a sério. Foi só uma pergunta retórica. Poucos vão te perguntar isso fora desse contexto de intenções tão floreadas.
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Acho que tomei chá de realidade demais. Parei de usar açúcar faz tempo (minha saúde agradece a olhos vistos), mas não deixo que tornem o conteúdo do chá mais amargo do que possa ser (ou do que é, em ocasiões em que adoraria ter os eufemismos à mão). Afinal, gente sincera demais, legal até onde lhe convir e com ouvidos moucos e ombros frouxos pras respostas que não as suas próprias não me interessa.
Aí, sim, menos é mais.
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E viva a Primavera - como sempre digo, - minha estação favorita. Sem meias palavras, rica demais a carga simbólica dela.
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left and right in the dark - julian casablancas

19.9.10

ah, devia

Primeiro eu vi uma capa de livro dela, anos atrás, e o nome me chamou a atenção. Aí li um poema, um conto, um conto poético e, esses dias, tive a sorte de a ouvir falar da literatura como aqueles "pequenos entalhes na compreensão da vida". Segue Marina Colasanti, essa respeitável senhora que não tem blog porque não se acha "no direito de despejar sabedoria por aí", que há quatro décadas é casada com seu querido Affonso Romano de Sant'Anna, escritor e poeta - e de quem fala com um brilho nos olhos bonito que só -, e que moveu, como disse aos meus queridos do facebook - agora digo a meus quatro leitores do Bloco -, mais uma pocinha d'água parada. Creio que ela teve essa certeza também, ao me devolver o livro com o agradecimento pelo carinho, quando, na verdade, eu é que estava ali pra agradecer.
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Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(1972)
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N - Nando Reis e Os Infernais
pra lua amarelada, na sexta passada, ao sol que me espera, amanhã - adoro essas trilhas de estrada.

22.8.10

toda fé tem um andor

A vida é afeto e desafeto. Apego e desapego.
Distração e diligência. Pressa e educação.
Definições e indefinições. E escudos nos quais elas se transformam, sempre que conveniente.
"É um contentamento descontente / é dor que desatina sem doer", não, gajo?

É uma ansiedade por um futuro feliz, com o passado restrito ao particípio e o presente no indicativo do fluxo a se tomar. É um exercício frequente pra que essa ordem seja seguida, já que raro o é. Pode dar certo correndo muito, muito, até o pensamento zerar e voltar a partir do ponto de agora. O ponto presente.

No fluxo desse rio há as margens nossas de cada dia. Maria, a faxineira da academia que me recebe com um sorriso e um abraço, é um pedacinho dessa margem. As pequeninhas com quem brinquei de esconde-esconde ontem (céus, fazia anos...), naquele meio já tão familiar, lembraram que existem bóias com águas agitadas e com águas calmas. E o melhor: existe gente disposta a jogar as bóias.

A vida é movimento. É encanto e desencanto, é pôr-do-sol e é marola. E justamente por ser um ciclo, mas não sentença final, é que o dia que amanhece na sequência tem o dom de energizar para o recomeço e fazer ver quantos precisam da gente, e vice-versa, e o quanto esses quantos são necessários pros contrapontos não deixarem a água parar.

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água doce - roberta sá e trio madeira brasil

11.8.10

random off

"É muito feliz quem é inacabado".
Fez todo sentido ouvir isso dele pra logo em seguida compreender, em doses homeopáticas, que a escritora que "salva gente todo dia" era uma náufraga escrevendo pra outros náufragos. Tais como ele próprio, como eu, tais como você.

Fez o sentido necessário pra morder o canto dos lábios, numa coisa de entendimento recíproco, depois dele outro dizer que escreve com muita vontade de desafogar alguma coisa - nem que fosse pra não correr no automático e não se entrelaçar na preguiça nefasta em que aquela comodidade toda, nesse mundão de neutralidades, lhe anestesiaria. "A gente precisa mais das metáforas", emendou o colega. Precisamos. Nem que seja a que, sucintamente, compare a culpa a uma espécie de "fiador da memória", tão cara e agora já tão ternamente guardada num espaço que a náufraga sabe bem o quanto custa.
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O controle remoto do meu som já está "correndo no automático": até que eu resolva trocar as pilhas dele ou deduzir o que o bichinho quer, definiu que não passa mais as faixas nem altera o volume. Só liga e desliga. Inacabado assim.
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ready to start - arcade fire

6.8.10

calefação

Tem que pôr um anos quentes, sabe?
Foi essa a dica do respeitável senhor.
Como tanta coisa nessa vida (pode) demanda(r) interpretação, a minha, naquele instante, fez prevalecer a repulsa.

Panos quentes em si própria.
Foi essa a devolução alheia à mesma dica.
Hoje fiz uso literal do conselho pras dores físicas, consequência do treino em viver uma vida deixada de lado. Nem precisou de interpretação tão subjetiva em nível de ser humano enquanto gente: a bolsa (mais prática que pano) de água quente ajuda a desfazer aqueles indesejáveis nós. E, por alguns instantes, faz da baixa temperatura lá fora, e das estalactites no nariz, questões tão secundárias.
Bolsa, minha gente. Sem gelo.
Aderi e não largo mais. Aliás, já não era sem tempo.
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Água da minha sede - Roberta Sá e Trio Madeira Brasil

1.8.10

trilha

Não sei se é a proximidade dos 30 anos – e sim, tem datas que me marcam até demais – ou o quê, mas tenho pensado mais na minha vida do que vinha pensando. Do que gostaria de pensar. Do que teria que já ter pensado.

Esses dias eu tinha um fusca laranja-escuro com portas cinzas; um espetáculo, o danado. De repente eu colocava uma turma pra ser levada de um lado a outro daquela cidade que não era Londrina, e aquelas pessoas que me eram próximas, mas não eram os meus amigos. Os amigos das sextas-feiras terapêuticas (pra todos), os amigos do durante-a-semana e do há muito sem se ver e sem se falar, mas firmes lá no latifúndio. Atemporalidade linda, essa.

Aí eu vi que, além da tonalidade bastante discreta, meu fusca tinha também (Smallville, te cuida) uma capa. Parei um instante e vi que a tal capa tinha um furo quase na borda. O fusca continuou rodando, com capa furada, mesmo aquilo me deixando incomodadinha.

Identificar o furo e viver com ele não impede o trânsito, mas haja função quando a tentativa é arranjar linha pra consertá-lo. Não fecha. Não dá pra esquecer que ele está lá, não tem como trocar a droga da capa, saco.
Vou comprar uma bicicleta. Ajuda?
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"Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce". Li isso num livro da Lya Luft (eu, que não me imaginava lendo Lya Luft, bebendo Ades ou comendo queijo branco) e concluí que a bike não resolve.
Ouvi que só fica pra escutar até o fim aquele que verdadeiramente ouviu o som do coração, da alma da gente, e pensei que até que a capa está inteirinha, com aquele furo. Afinal, é um dos primeiros, apenas.

Deixar-se lapidar - oh, céus - é preciso.
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One time too many - Phoenix

5.7.10

sin embargo

Me acompanhava na aquisição do tênis novo – depois de anos, ela voltou àquela marca do jeito que queria: o mais diferente possível, no bom e velho (opa) retrô – quando recebeu a ligação com a notícia. "Jovem, menos de 40 anos, ninguém podia imaginar". Fomos embora em silêncio, o coração cheio de palavras que não ousaram sair. Não naquela noite.

Dias atrás, havia sido no trabalho: vi aquela amiga tão querida e, de tão competente, até meio durona (um trote e descamba esse "meio"), se prostrar com uma ligação do tipo. Pensei, num desses sustos pros quais há uma hipótese que se prevê plausível, que seria o pai dela, muito idoso e adoentado há meses. Não era. E o "menos de 40 anos, com três filhos da idade dos meus", o semblante abismado pelo que fora, de manhã, e não seria nunca mais, a partir daquela tarde, colocou um silêncio imenso na pequena sala que sempre é tão barulhenta.
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E foi nesse silêncio que as duas mortes de pessoas amigas de gente do meu pequeno latifúndio afetivo me deram aquela ideia comum, aos dois casos, desse ser tão intransitivo que é o tempo. Ora se faz de menino demorado em ir pro banho, ora de menino ágil que corre até a gente pedir arrego, depois de tentar alcançá-lo, e que nos surpreende atrás de uma árvore com o susto que nos põe alertas, mas vivos. Enquanto esse menino está correndo, a HQ continua. A gente só não sabe o quanto ele topa correr.

Por isso a manutenção do latifúndio nunca vai poder ficar à mercê de mim mesma, apenas. Correr sozinho cansa. Aprendizado pra uma vida toda, porém.
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De nuevo la película. Se antes Campanella me colocou uma série de reticências e exclamações, a "segunda olhada" de "O Segredo dos seus olhos" me encheu (e que sorte a minha) de necessárias interrogações.
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a trilha. aquela trilha.

15.6.10

dessert é assim

Carregou cuidadosamente os morangos. "São os mais vermelhos e os mais suculentos" - eram o presente de sobremesa, embalado no gesto de carinho que deixou o nó na garganta, enfim, depois de mais uma espera que trouxe ansiedade e muito, bastante alívio.

Juntou o pé-de-moleque nos quadradinhos empilhados, cortados sem aquela precisão fria por aquelas senhoras tão ternas, mas feitos um a um com a devoção a Santo Antonio. Devoção das cantigas, entoada num italiano que, há anos, junta as vozes das crianças às dos septuagenários.

Aí pensou nas sobremesas que ofertou e que recebeu. Nas vidas que adoçou e nas vidas que lhe acudiram daquele paladar árido imposto pelo silêncio obsequioso e obrigatório das ruas.
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Hoje, açúcar convertido, é a metáfora infame do copo a que persegue os sonhos e a paralelice dos caminhos decorados.

É que o copo vive cheio, e cheio além da conta pra uma caneca diferente daquelas que ganhou, resistentes e cada uma com uma pequena-mas-importante-história-suportável à memória.
Sempre que o espaço desse copo-caneca insiste em dizer que não cabe mais, a poça em volta denuncia - mais uma vez - a negligência e requer - novamente - a solução paliativa pelos panos que sugam esses pingos que insistem em ser. Todo dia, ao que consta e emudece, costuma acontecer.

Bobagem cobrar simplicidade dos grandes mistérios, imagino.
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A verdade sobre o tempo - Pato Fu

6.6.10

geada queima

seja cedo, à noite, na madrugada quieta, é fato: no inverno, cada passo é uma coragem diferente.
(da série pequenos-ensinamentos-de-um-dia-a-dia-de-sempre)
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é preciso acreditar para desacreditar.
(outra)
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"bem vinda ao clube dos que acreditaram em Papai Noel", ela me disse. "e bem vinda à realidade: também existe o clube dos filhasdasputas", assim, sem meias palavras, completou, pra depois dar o sentido amplo que o termo, aparentemente só chulo, pode ter. que pode ter nessa vida. "triste daqueles que nunca acreditam". e foi então que aquilo me deu um alívio imenso.
só não esquenta.
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se cuidas de mim - tiê e tiago bettencourt

30.5.10

o tuninho vai fechar

- sabe qual a pergunta mais importante pro ser humano?
- não.
- não?
- essa não.
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- sabe qual a pergunta mais importante pro ser humano?
- nem ideia.
- sabe qual a pergunta mais importante pro ser humano?
- "puxa!", só pra falar que agora eu mudei as pontuações.
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Adoro biografias. Ganhei uma que vai pedir certa dedicação - aliás, ela nem me pede: eu sou a dedicação involuntária. Doce, essa sensação.
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a hora da estrela - pato fu

24.5.10

a estrada

eu leio coisas que escrevi há oito, nove anos por aqui e me surpreendo com o quanto (ainda) é possível perceber mudanças que o tempo fez questão de provocar, desde então. constatei como eram verdadeiras algumas objeções sobre o futuro - o poema preferido do Drummond, do dia em que o poeta faria 100 anos, que o diga -, quantas dúvidas eu carregava, quantas eu dissipei e a quantas apenas dei novas roupagens, com novas personagens, cenários e densidades mais ou menos interessantes.

o quanto eu acreditei, desacreditei, voltei a crer e prossegui nos novelos ou nas retas. acho que nunca vai parar a procura curiosa do 'onde-vai-dar?' nessa misteriosa linha do tempo. aquela coisa de olhar no espelho e se ter a constatação de que, opa, que ser é aquele ali, mas transferida pras linhas que descrevem banalidades e angústias. descobertas com exclamações e pontos finais que carregam reticências ou que valem por si.
cada coisa.
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no filme, o menino e seu pai tentam desviar dos perigos, rumo ao sul. encaram a tristeza de um cenário literalmente apocalíptico e protegem um ao outro. tão sublime esse senso de proteção, de zelo - será uma das várias faces do amor?

o menino não pode parar e precisa acreditar que, mesmo com tantos absurdos contra pessoas como ele e o pai, ainda há os "homens bons". é neles que o pai pede que acredite, é com eles que vai embora quando é preciso seguir o caminho. porque, pede o pai, ele precisa carregar a "fogueira interior" sem apagá-la. não à toa, ele faz questão de manter o filho sempre aquecido. acho que era a forma de manter acesa a fogueira dele, também.

o mundo interno e o externo podem ter metáforas surpreendentemente tocantes.
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between the bars - elliott smith

12.5.10

esqueça a primeira conjugação

a página está em branco.
o álbum de fotos está vazio.

há muito que listar no grupo de verbos da segunda conjugação. 'acordar' destoa. escrever/aquecer rendem rimas desnecessárias aqui.
há muitas fotos que abarcam lembranças. boas lembranças. eu, que já achei tudo tão medíocre, vejo hoje o quanto já fui tola pensando assim - porque são vários os tipos de álbum.
(e tem fotos lindas pra preencher os que separei)
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é curioso como mesmo a relação com as fotos pode mudar a concepção do batido o-que-os-olhos-não-vêem-o coração-não-sente. batido ou demasiado simples - simplista, na verdade -, vez que desconsidera algo tão português e tão pouco explicável por a+b num chavão.
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ora o congelamento de sinapses, ora um estranho efeito esfumaceador que chega e dissipa tudo no vento.
vou conjugar mais verbos.
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thieves - she and him

28.4.10

(re)descobrindo

Em duas semanas, duas descobertas lindas de uma Clarice quase cronista - porque ela não aceitava o rótulo -, de publicações no JB entre 1967 e 1973. Se era tão misteriosa que não se entendia, como sublinhou num desses escritos, ela também mostrou um lado capaz de tocar pela simplicidade que não é, necessariamente, rasa.

Sensação de gratidão imensa por essa brasileira. Tenho sido avessa a cartas, mas, se estivesse viva, ela seria a destinatária de uma, bem especial (pra autora), de poucas palavras – que escrevo mentalmente, todos dos dias, terminada a leitura (aqui, sim, difícil achar um fim; quer-se sorver tudo no menor e no maior tempo): Clarice é poesia pura.
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Uma dessas publicações, de 29 de março de 1969, está transcrita abaixo. Curioso procurar pelos textos dela na web e achá-los em partes – ainda que não sejam, como se observa este um, extensos. Ainda que fossem! –; assombroso ver que os ‘rapidinhos’ cortam trechos inteiros, substituindo-os por colchetes e reticências, e suprimem o que jamais poderia sê-lo. Acreditam, assim, estar difundindo a obra da escritora. A que custo?
E deu.
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O impulso


Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse. Quero melhorar e não sei como. Sob o impacto de um impulso, já fiz bem a algumas pessoas. E, às vezes, ter sido impulsiva me machuca muito. E mais: nem sempre meus impulsos são de boa origem. Vêm, por exemplo, da cólera. Essa cólera às vezes deveria ser desprezada; outras, como me disse uma amiga a meu respeito, são cólera sagrada. Às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é benéfica a alguém ou a mim mesma. Às vezes infringir o impulso me anula e me deprime; às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna.
Que farei então? Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.
Lispector, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
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vagabond - wolfmother

15.4.10

(a)feição

você aponta pra certas situações sem notar que os dedos restantes estão todos na sua direção.
foi assim lá atrás, quando lhe pedia que não colocasse tanta coisa à frente de outras, foi assim ontem e hoje - sei lá até quando -, quando o descanso deu a pausa que a consciência julgou (no mérito...) ser obrigatória.

depois de um tempo, é bom ver que, de erro em erro, a gente acaba acertando alguma coisa; não tinha como ser diferente. e sou bem, mas bem otimista em relação a isso. gosto do que faço, e 'perder' dois dias de férias em nome desse sentimento me ajuda também a entender um pouco da workaholic que tenho dentro de casa. ah, gláucia.
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um ano já, quem diria?
um monte de gente.
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here it comes - doves

13.4.10

500 days of summer

Teve aluno morto à frente da universidade, bem no centro. Teve três ônibus incendiados em menos de 48 horas. Tem a tragédia toda das famílias inteiramente desmanteladas, lá longe, todo dia martelando o noticiário com novos números. Tristes números.

Eu podia apenas saber que tem muita coisa nessa vida mais séria com o que se preocupar. E há. Mas hoje, alguns anos depois de percorrer aquele velho caminho, pela manhã, e parar naquele quiosque de 32 anos, praquele café (preto e tão bom), senti um desalento e um alívio. Desalento por ver um patrimônio histórico sendo destruído, aos poucos (até porque a coisa lá é lenta), travestido de modernidade. O novo calçadão é uma lástima, no sentido puro da palavra. Desmerece, sem querer, a maiúscula que já lhe fora conferida. Padece de identidade. As pedras coloridas que se esforçam pra copiar o desenho do mosaico preto e branco se perdem, sufocadas por tanta milimetrice austera.

O alívio vem por, 11 anos quase vividos aqui, por opção, sentir Londrina como a minha cidade. A primeira sensação doce foi justamente no Calçadão, à noite, em janeiro de 1999, extasiada com aquele cenário tão mediano e tão limpo, tão tradicionalesco (o outro ventrículo do meu coração, a parte paulista, também tem petit pavets) e tão jovem. Incrivelmente jovem. Com os anos a degradação muda o olhar, mas nunca o extermina na essência. E se destroem parte disso, uma parte da minha história, pequena história, vai junto com aquelas pedrinhas sem-vergonhas.
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Naquele filme de ontem, pequenos e enormes recados que servem pra pensar um caminhão de pedras com e sem encaixe. "Da próxima vez que olhar para trás, você deveria dar uma segunda olhada", diz a menina. De tanta coisa que tentou "atribuir significância cósmica a meros acontecimentos mortais", foi a pedrinha mais necessária que eu fiz questão de guardar no bolso.
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there goes the fear - doves

7.4.10

dorme, meu bem

O Saraiva - sim, o personagem - não era fictício. No dia a dia, ele fica adormecido, chega a tirar umas férias longas, mas está lá, piano, até que lhe cutuquem.
A moça chega no destino final, se dá conta de que a mochila com os pertences sumiu do compartimento que fica ao alto. Pertences simples como uma tese de doutorado que não é dela, claro (grifo nosso). Simples como a chave de casa, até hoje sem as partes de cima que um chaveiro lhe identificaria. Tudo isso na simplicidade da uma da manhã, com uma rodoviária simplesmente às moscas.
A moça pergunta já com um curta passando pela cabeça, ou com a novelinha, mesmo, que viria. Seo Cícero, o motorista, pensa alguns segundos e conta que a mochila ficou na cidadezinha que passou, uns 100 quilômetros atrás. "Desceram com ela por engano, mas tá guardadinha. Ah, só amanhã pra rever".
Seo Ene - a moça não fez questão de ver o nome - pergunta se ela viu a mochila descer. Seo Agá - a regra vale pro distinto também - quer saber se a moça (parece que dormiu dois terços do caminho; estranho, pra essa moça) viu "a pessoa descer com a mochila". Claro que ela viu: a bolsa usava adidas e saiu faceira, apesar da frente fria acolhedora. Ah, e óbvio que a moça (desatenta, essa moça) viu a tal mochila, calçadinha, sair de braços dados com o esperto que dormiu um pouco mais que essa moça. Que, afinal, esperou tudo isso só pra ter um momento de lazer na vida dela, à uma da manhã de uma terça-feira gelada, com Seo Ene e seo Agá.
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Pantoprazol pra essa moça, aliviadíssima.
(Torres Pastorinho tem discípulos londrinenses, certeza)
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Algumas respostas são mais aguardadas que aquela mochila de viagem. Por isso, me disse, a moça começou a tarde no superlativo daquela sensação. Esperas que levam anos e esperas de alguns dias (que parecem anos), sanadas com as respostas certas das pessoas certeiras, dão um comichão de que, ufalelê, saraiva dorme.
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a day in the life - beatles

28.3.10

pondevista

Duas semanas pra alforria.
Duas.
Hoje eu falava pra minha mãe dos exames a menos que ela tinha pela frente - mais uma leva deles, um ano quase após a cirurgia. Pensar em "exames a mais" parece desanimá-la (e eu fico triste com isso), então tentei explicar que, os fazendo agora, é algo a menos com que encher a cabeça (e eu fico bem feliz quando vejo que ela ouve isso).
Portanto, duas semanas a menos na minha espera pela frente, com preparativos a mais (aí eu vi vantagem) pra dar conta.
Jesus toma conta.
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here comes the sun - beatles

21.3.10

polianas coronarianas II

Podia atribuir amizade a um monte de coisa - atitudes, palavras, mas a memória, seletiva até nisso, teimou em ficar com aquele dia na lembrança. A mão estendida na beira da rua, no instante em que as outras ruas davam pro nada, ou cruzavam, confusas; a crença no sorriso depois da tempestade; o empurrão que faltava.

Foi esse o parâmetro mais bonito de amizade que a vida me ensinou.

Boniteza e dureza de parâmetro. Você passa a não se contentar com a profundidade de poças d'água, mas também a ver que a aridez das ruas confusas seca além delas próprias. É esvaziador. Seletivamente esvaziador.
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Não se apagam as digitais das vidas que tocamos, não foi assim que você ouviu? Acredito. Por isso que criança não põe a mão no fogo duas vezes. Não tem pasta de dente que salve. Só o aprendizado.
Sê todo em cada coisa / Põe quanto és / no mínimo que fazes - não foi assim que você leu? Disfarce, consigo, a compreensão. Por vezes é bom deixar de ser pessoa.
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Nada original - Pato Fu

10.3.10

polianas coronarianas I

então juntou todos os pedacinhos feitos em cacos até que se formassem novamente um pedação colado. 'lego' sempre foi dos seus passatempos preferidos. mas tinha se esquecido. tão óbvio que resolveu aprender a jogar paciência – ainda não aprendeu, tantos anos depois do primeiro micro. a imprudência a 100 por hora tem ajudado a entender alguns lances desse jogo moroso.
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aí notou aquelas pessoas, o tempo estampado nas mãos, em relevo, buscando o direito de sair às ruas (legalmente) motorizadas. o olhar de curiosidade e entendimento do rapazinho que fitava décadas de vida, pelo computador, fez da espera algo menos monótono. é curioso como o óbvio, por mais definitivo que se imponha, seja capaz de ainda estarrecer.
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aí prestou um pouco de atenção na propaganda da tv local – buscou uma concentração rara pra tarefa – e percebeu que a tônica de uma e outra eram opostas. a do pretenso jornalão dizia que ele era a solução pra quem queria 'respostas pras perguntas'. a do canal educativo apresentava várias perguntas como mola propulsora de um mundo em processo constante de descoberta. então, na teoria, gostou da dicotomia.
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the loneliness of the middle distance runner - b&s

8.3.10

simples assim

então eu peguei o keane que repousava na prateleira nova e resolvi dar a ele uma chance nova - tão diferente dos outros dois, esse um. terminei com a sensação do antes-tarde-do-que-nunca martelando o peito. sensacional. redenção, alívio e um ligeiro aperto por ter deixado correr tanto tempo.
vai passar.
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love is the end - keane
nothing can touch us and nothing can harm us
and nothing goes wrong anymore

14.2.10

avisa que é de se entregar

"A idade traz experiência", "a experiência traz sabedoria", e, puxa, mutiplique por 100 o número de chavões que relacione avanço do tempo com inteligência, que você vai chegar perto de quanta bobageira se pode pensar e falar a respeito. Não que os anos vividos não representem ensinamento, muito pelo contrário - só acho uma pena quando se estabelece O QUE é a tal sabedoria, em que patamar ela se encontra e quais mecanismos o reles mortal precisa adotar pra acessá-la da forma "como se deve".

Puxa, que narigão de cera pra falar uma coisa simples: não aguento mais ler e ouvir o povo reclamar que é época de carnaval, e que merda que é carnaval, e que droga que é ouvir samba e pagode (sim, tem gente que acha que é tudo igual), e que chato ligar a TV e ver que é só isso que passa, e que, e que, e que... ah, vá, vá. Do feriado ninguém reclama, né?

Que eu saiba, uma emissora tem a exclusividade de transmissão dos desfiles. E, ainda que seja um saco ver chamada de carnaval um mês antes do evento (sou a primeira a reclamar, reconheço), é simples: controle remoto. Tá difícil? Tem CD que não é de samba-enredo pra se ouvir e um monte de livro bacana - mas um monte mesmo - que não trata da tal festa. Cinema, ao que consta, também nao fecha nas noites carnavalescas.

Goste-se ou não, é expressão de parte da cultura do país. Sem nacionalismos, ok?, só constatação. Assim como o espanhol acha uma beleza festas em que touros saem correndo atrás de pessoas - ou, que nojo, em que é pu-ra diversão tacarem tomates uns nos outros -, ou o tediante (pra mim) 4 de julho, muito brasileiro (e gringo) vê no carnaval a festa que melhor representa o Brasil.

Eu já achei tudo isso um porre, e creio que, em grande parte, porque nunca tive muito a dimensão do que é o samba na identidade musical do brasileiro, e nem tenho ainda, plenamente - quem tem? Mas mudei conceitos fechados e me sinto muito bem com as mudanças. E me incomodo quando vejo que, nem por desconhecimento ou antipatia - meus antigos combustíveis -, mas por puro modismo, mesmo, tem quem se divirta e gaste um tempo ignóbil em desancar tudo isso.
Baita conceito aberto esse da sabedoria, né? Curuzes.
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Se sentir sozinho no meio da multidão é fácil. Quero ver a proeza acompanhado. Em breve, um manual.
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Eu escrevi aqui que 2010 vai me deixar saudades. Espero (mantra: esperoesperoespero, ouuummm) que saudades daquilo que for/foi feito, e não deixado de fazer.
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Pois é - Los Hermanos

2.2.10

labirinto de corredor em paralelo

Às vezes eu me assusto quando paira, de perto ou de longe, a pergunta do "onde foi parar o afeto do mundo?"
Acabou? Quais as tendências? Existe reversibilidade no processo, uma vez este "efetivado com enorme sucesso"?
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Onde foi parar o afeto do mundo? Num recôndito que nem a memória lembra mais (de tão bem guardado que foi, quedê?), numa carta que os olhos perderam por aí, numa oficina de como-fazer-amigos-pra-sempre-num-estalar-de-dedos e perder outros com a mesma competência? Numa fábrica de produção e de esfacelamento de doutrinas?
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Onde foi parar o afeto do mundo? Na lua enorme que fez hoje, contemplável a sós, e, nessa toada, agora não mais que um fenômeno... natural? Nas ruas cheias de sujeira misturada com gente, de gente envolvida em sujeira, em sujeira que não se recicla? No descompasso antes sôfrega, agora meticulosamente trocado pelo desalento que nada produz - sobretudo não produz nem subestima o que não se encontra na lama, jogado aos porcos? Na relação respeito x produtividade tão obtusa aos relacionamentos antes... como era, mesmo... "humanos"?
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Onde ele foi parar? Em 140 caracteres, em monossílabos criados e que se presumam cheios de significado, mas deteriorados pela automaticidade da produção em larga escala (fria escala, essa), num copo de saquê adociçado por olhares furtivos que pouco entendem sobre onde, afinal, foi parar o afeto do mundo?
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Pergunta estranha, pra gente esquisita. Não tenho a resposta. E, hoje, nem quero.
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tiê canta

28.1.10

esqueça a rima que for cara (devagar)

E é então que a alegoria da mochila e seus pertences fica insistente na memória. O que se guarda? O que tirar antes de por fogo na tal, no dia seguinte, de manhã? Fotos pra que, se existe ginko biloba pra memória? O que faz mais peso nas alças?
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E é então que essa tal 'alegoria' não me sai da cabeça. Acordo com umas palavras - já foi pior: músicas bregas, por exemplo - que não ouvia ou lia há muito tempo. Hoje foi essa, numa brincadeira tonta com um amigo; ficou, foi pra alça. Amanhã, quando eu acordar no duelo com os quatro alarmes, já esqueci.
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E então eu me lembrei daquela mulher que vi ontem cedo, logo cedo, e já com um olhar de quem havia passado uma semana inteira pensando sem solução pra não sei o quê. O que ela procurava naquela esquina, sentada à frente do estabelecimento (mais um) que virou mocó em ponto nobre? Não sei. É difícil às vezes encontrar, pra si e pros olhos - esses seres de vida própria -, respostas pro que se procura numa esquina. Talvez só atravessar a rua, olhando o semáforo. Um saco chegar a uma conclusão besta dessas depois de olhar um tempão pro céu imaginando que um avião, caindo ali, podia ser também uma das alternativas. Não é, e atrás alguém buzina, porque a luz vermelha esverdeou.
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Aí, janela à tarde escancarada graças à pane do ar condicionado, eu vi aquelas pessoas andando, tranquilas, enquanto caía o mundo em forma de pancada de chuva de 10 minutos, fazendo fusquinha pra um sol bonito que abriu (me disseram depois que, inclusive, com uma faixa de arco-íris). Estranhei o que os olhos mostravam, e agora percebo que os seres de vida própria, suscetíveis a alegorias tolas, não perceberam que não era gente exatamente alheia à chuva. Teria algo, aliás, em suas mochilas?
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Samba de um minuto - (claro,) Roberta Sá