23.6.15

A caminho do médico, o taxista tem a conversa entrecortada pelos bipes do aplicativo. Era um canto de azulão - e ele arregalou os olhos quando o identifiquei. "Meu avô era criador. Tinha canário da terra, canário do reino, curió, mas o azulão do bico chato era o xodó", expliquei. "Que bom então que serviu pra você se lembrar do seu avô", ele me disse. Lembrei do rádio com CD de passarinho que Sebastião colocava pra treinar as aves, pacientemente, e então Araújo e eu rimos. Ele, paraibano e sertanejo de Cajazeiras, fez seu próprio viveiro há duas décadas em Guarulhos, para a família e para os outros passarinhos que criava.

Acredito que essa deva ser a proposta dos afetos verdadeiros: evocá-los em momentos singelos e, ainda que a saudade que os envolva seja imensa, profunda, há que se conseguir extrair um sorriso. Às vezes cai um cisco junto, é inevitável, mas a melodia segue, de azulão, curió, buzina de carro, quero-quero na praia, bem-te-vi na praça perto de casa. Ainda me faz mais gosto o canto do azulão.
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"Escrever ajuda a organizar o lado de dentro", ouvi esses dias. "E os afetos não têm data de validade, fique tranquila".
Vamo que vamo com a tarefa.
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31.3.15

analisando

- "Você criou uma prisão a que poucos têm acesso".
- "Não há distância física para os sentimentos".
- "O inconsciente da gente é como um porão, que, muitas vezes, é escuro e está bagunçado. Você quer entrar nele? Está disposta a arrumá-lo?"
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Era bem mais simples quando eu comprava sorvete de flocos perto da casa do meu avô, ou quando chupava jabuticaba no pé, na chácara da tia-avó, sem medo do tombo seguinte.
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Desculpe por te subestimar, infância querida.
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