9.12.07

Receita

Pegue os cacos do coração. Cole os cacos do coração. Transforme-o em um coração que (novamente) bata de verdade, não em um que meramente sobreviva.

Junte as memórias, selecione todas que devam ir para o liquidifica-dor e deixe em repouso. Depois de um tempo, é só pensar que memória é o agora que, já amanhã, se transformará em ontem. O que vem de antes do agora pode desandar a mistura pelo coração que (mais uma vez) bata de verdade.

Enxugue aquilo que insista em tentar desandar o espírito empreendedor de quem se empenhe na tarefa. Sugestão: use o conteúdo umidificante ao liquidificar as memórias; talvez seja relaxante. Mas não garanto. (grifo nosso)

Esqueça o banho-maria: essa receita carece de agilidade, ou a colagem não será a necessária para o resultado final.

Sirva-se, se puder.
Porque eu não posso. Não me - EU, é fato - enxergo ainda o suficiente.

* * *

Os sonhos nem sempre são os mais reconfortantes; pelo contrário. Alguns deles têm a capacidade de me deixar triste um dia, alguns dias. Bendita saudade.

Alguns sonhos, contudo, podem ser, ainda que tristes, mais leves que a realidade que se avoluma sem chance de sonhar acordada. Eu bem que tento, mas o guardião do portão lembra que, em vez de chave para entrar, eu preciso mesmo é de um liquidificador.

* * *

Horizontes se fecham, horizontes se abrem. E a vida vai.

* * *

random: Oração ao tempo - Caetano Veloso

24.9.07

(anti)biótico

O inchaço fica do lado esquerdo. Bem do lado esquerdo.
A certeza de que o melhor de mim corre ralo afora também fica do lado esquerdo. Lado esquerdo tão involuntário, que, talvez por isso, às vezes eu tenha vontade de chamá-lo desprezível. Insensato. Estúpido.

* * *

Até quando um coração bate no mundo?

* * *

random:Close to you - Carpenters

18.9.07

cratera maciça

Quando entrei em casa, hoje, a fresta oportunista da persiana mostrava a lua linda no céu. Iluminava uma parte daquele mundaréu negro, mas em arredores tímidos: parecia meio enevoada, apesar do aspecto crescente.

A névoa rodeia a lua, embaça as certezas. E eu sinto que meu organismo precisa de alimento só porque o estômago dói - não há fome do alimento, nem prazer no consumo. Digestão enevoada.

O pensar no amanhã (minha prisão de tanto tempo) volta a rondar e se me lembra o quão ambíguo ele pode ser. Querer pensar, precisar pensar. Pensamento enevoado.

Ao telefone, a voz amiga tenta me convencer de que a lua pode, sim, ter um anel de luz em torno dela permanentemente. É preciso "ter paciência"; eis a receita que desconheço. Volúpia adormecida, volúpia enevoada.

Agora, queria ser a névoa em torno da lua linda.

*

random: Live Forever - Oasis

16.9.07

e é tão grande

Dizem que as feridas cicatrizam. Que o coração se acostuma.
Será que alguém de fato acredita nisso?

* * *

"Sou um coração batendo no mundo."
Será que Clarice me permite acreditar nisso?

* * *

Porque você não permite.

* * *

random: Apenas mais uma de amor - Lulu Santos

29.6.07

às vezes, a vida é simples que dói.
às vezes, parece um pinhão chato de descascar. só de descascar.
às vezes, ela é como as nuvens mais altas do céu, encobrindo os raios solares mais bonitos.
na maior parte das vezes, é um mistério.
de sensações. sentimentos. predicados. contrasensos. e de saudade, essa bandida que me acompanha desde sempre.

* * *

random: Heinrich Maneuver - Interpol

27.5.07

this is not a song

Eu já torci pra que pedras se transformassem em pedregulhos, e pedregulhos, em grãos de areia. Hoje, torço pra que a tempestade de areia se transforme numa brisa que não me intimide a abrir os olhos pela manhã. É muito ruim a sensação.

* * *

É ruim também você chegar à conclusão de que consciência tranqüila pode colocá-lo em verdadeiras frias. Hoje não me sinto madura o suficiente pra lidar com isso - volta e meia, algumas situações da vida me apertam o peito e me dão medo, um medo estranho porque me dá vergonha de expô-lo. O resultado é sempre aquele sentimento que me acompanha desde sempre: qual minha função no mundo? Felicidade plena existe, mesmo? Que caminho tomar, dentre tantos, e em tantas esferas da vida? Perguntas sem resposta. Eu acreditei até há um tempo que seria a melhor analista de mim mesma - hoje, é dificil não acreditar que é o mundo que precisa de análise, mas se recusa a receber.

* * *

É como se o caminho torto fosse a reta da direita, com uma placa indicando "perigo - mas siga adiante".
É como se tudo o que eu sonhei como forma de vida me mostrasse uma face que, embora não de todo desconhecida, se revelasse mais feia do que eu podia supor. Como uma tempestade de areia.

* * *

Na reta oposta, a placa que me ajuda a abrir os olhos, de certa forma. "Feche os olhos e sinta-se a salvo".

* * *

r
andom: The magic numbers - This is a song
I lie awake in the dark
Lost in the beat of my heart
Well baby look over your shoulder
you're not alone in this love

4.5.07

primavera no outono

Porque, apesar de tudo, tem sempre uma luz chamada afeto no fim do túnel - um par de meias quentes numa noite fria; uma lembrança viva o suficiente pra afastar a solidão.

Porque, apesar de tudo, você acorda e sorri - deixa pra lembrar da adversidade quando, nota, ela já nem é tão grande assim. Ou, pelo menos, não afeta tanto quanto o afetava há um tempo.

Porque sente o que de fato quer dizer aquela palavra tão portuguesa, e tão cheia de sentido somente ao ente querido. E porque, percebe, é um sentimento que em dose aplacável a curto prazo pode ser até instigante aos sentidos. Aplacável; findo, jamais. Feliz ou infelizmente? Nunca vou saber.

Por isso tudo - e mais um pouco bem generoso - a gente "escarafuncha" a vida, e, querendo, transforma os paralelepípedos em pedregulhos. Quiçá, em grãos de areia. O importante é não tropeçar neles. Eu juro que tento - pelo menos já tenho os pés aquecidos, em caso de friagem.


* * *
random: Double Feature - Camera Obscura

25.3.07

desfibrilador! desfibrilador!

Um dia eu escrevi nalgum lugar sobre a paixão pelo coração tranqüilo.
Mas o coração descompassado é que me mostra, na verdade, o quanto estou viva.

* * *

random: Fico assim sem você - Adriana Partimpim

20.3.07

on/off


Quando eu era criança, capa da invisibilidade e máquina do tempo eram as grandes piras por uma nação mirim mais feliz. Ê, se eram.

Na adolescência, o decodificador de pensamentos até me soava como uma boa aquisição no bloco de três pedidos ao gênio do copo d'água. Não, eu não usava nada de ilícito, apesar de o vício em café ter se consolidado nessa fase - mãos trêmulas em dias de prova, cruzes, que o digam -, apesar de eu ter gostado, e bastante, de curaçao blue com sorvete de limão. Céus.

Algumas decepções me alertaram pro perigo de um decodificador desses; a máquina de teletransporte ganhou espaço (a bem da verdade que eu ainda gosto de "De volta para o futuro", portanto,...) e eu enfim sosseguei na condição de reles mortal: passar no vestibular estava de muito bom tamanho. Sair dessa fase, idem.

Hoje, eu ficaria bem satisfeita com algo que me lembrasse - e funcionasse como, claro - um desfibriladorzinho de sentimentos, se é que dá pra se chamar assim. Basta programar, que pronto: você não se importa com o que não deve; não se chateia com aquilo que, depois, viu o quão bobo era; não liga a mínima se fizeram seu coração em pedacinhos bem miúdos com uma palavra, um olhar ou um gesto. Não se ilude com adjetivos, não sofre com os advérbios. Ah, os advérbios...

No contraponto, uma das muitas programações do dispositivo possibilitaria a você sentir (na dose ideal pro chamado "dia de se registrar pra sempre na memória") como que um detalhe às vezes tão irrelevante pode ser mágico, dependendo do ângulo de que ele é avistado.

Não haveria sobressaltos: só quando eu quisesse - e quando quisesse, parariam num apertar de botões.

Não haveria mau humor, tampouco inconformismo demasiado - mas neste último ainda vejo um lado positivo. Creio que o desfibrilador, aqui, seria ambiguamente perigoso.
Enfim, não haveria distorções. E eu seria pra sempre feliz.

* * *

Hoje começou o outono. E só hoje me toquei que nasci na estação preferida e que posso, sem culpa de incoerência, responder "quantas primaveras" completarei. São estações aparentemente opostas, mas, pra mim, se completam de algum modo. Pra perceber isso eu ainda não preciso de nenhum desfibriladorzinho de sentimentos, tá bem?

* * *

r
andom: Lover I Don't Have To Love - Bettie Serveert
You write such pretty words
But life's no storybook
Love's an excuse to get hurt
And to hurt

9.3.07

vaporeto nele!

Poxa. Esse blog, que um dia foi quase diário, agora tem atualização praticamente anual. Mais um pouco e ele segue a regra da CNH, pode crer.

* * *

Fazia tempo que não passava aqui, e qual não foi minha surpresa ao notar, pelo contador, que há gente que tem passado mais que eu? Fui lembrar do empoeirado, esses dias, quando uma amiga pensava em nomes praquele que deve, eu espero, ser um blog futuro.

Meu capetinha-caramunhão me diz que quem vem aqui veio sem querer, pelo Google. Meu anjinho-poliana diz que não: são os antigos (iiiiigos) leitores de anos passados. Coitados, um dia perderam tempo aqui.

* * *

Engraçado como o tempo passa - rápido, cada vez mais rápido - e algumas emoções, olhando agora, só mudam as vestes. Aquela música, aquele vazio ou aquela euforia, aquela sensação do lead infinito sem resposta não são tão diferentes, apesar de as situações mudarem um bocado.

O que me parece cansaço físico, às vezes, se revela uma vontade tão inexplicavelmente grande de dizer 'chega' a algumas situações que esgotam que coloco a mão no peito e vejo o quanto ela pula, embalada pelo músculo-bombeador. Outras vezes é a gana pelo 'sim' às que, quando menos espero, fazem eu me sentir ridícula por perceber, num dado momento, que estou ali perdida há minutos, pensando, lembrando, feliz.

Pensar demais, dizem, é sério demais, pois pode mover muros em direção ao meio do caminho. Se eu não agisse assim, imagino que os muros hoje estariam 1-) derrubados, substituídos por jardins, ou 2-) protegendo pra sempre uma casca de ovo.
Mistérios da meia-noite.

* * *

Mais de um ano depois, porém, adversativas como essa vão ganhando um sentido mais luminoso no meio de expressões queixosas. A vida é um filme por vezes cansativo, mas sem problemas de territorialidade na divisão daquele bendito braço único de poltrona.

Sim, sim.

* * *

random: Until the end - Norah Jones
Like a child, you forget,
But I remember everything...and every sting.