22.8.10

toda fé tem um andor

A vida é afeto e desafeto. Apego e desapego.
Distração e diligência. Pressa e educação.
Definições e indefinições. E escudos nos quais elas se transformam, sempre que conveniente.
"É um contentamento descontente / é dor que desatina sem doer", não, gajo?

É uma ansiedade por um futuro feliz, com o passado restrito ao particípio e o presente no indicativo do fluxo a se tomar. É um exercício frequente pra que essa ordem seja seguida, já que raro o é. Pode dar certo correndo muito, muito, até o pensamento zerar e voltar a partir do ponto de agora. O ponto presente.

No fluxo desse rio há as margens nossas de cada dia. Maria, a faxineira da academia que me recebe com um sorriso e um abraço, é um pedacinho dessa margem. As pequeninhas com quem brinquei de esconde-esconde ontem (céus, fazia anos...), naquele meio já tão familiar, lembraram que existem bóias com águas agitadas e com águas calmas. E o melhor: existe gente disposta a jogar as bóias.

A vida é movimento. É encanto e desencanto, é pôr-do-sol e é marola. E justamente por ser um ciclo, mas não sentença final, é que o dia que amanhece na sequência tem o dom de energizar para o recomeço e fazer ver quantos precisam da gente, e vice-versa, e o quanto esses quantos são necessários pros contrapontos não deixarem a água parar.

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água doce - roberta sá e trio madeira brasil

11.8.10

random off

"É muito feliz quem é inacabado".
Fez todo sentido ouvir isso dele pra logo em seguida compreender, em doses homeopáticas, que a escritora que "salva gente todo dia" era uma náufraga escrevendo pra outros náufragos. Tais como ele próprio, como eu, tais como você.

Fez o sentido necessário pra morder o canto dos lábios, numa coisa de entendimento recíproco, depois dele outro dizer que escreve com muita vontade de desafogar alguma coisa - nem que fosse pra não correr no automático e não se entrelaçar na preguiça nefasta em que aquela comodidade toda, nesse mundão de neutralidades, lhe anestesiaria. "A gente precisa mais das metáforas", emendou o colega. Precisamos. Nem que seja a que, sucintamente, compare a culpa a uma espécie de "fiador da memória", tão cara e agora já tão ternamente guardada num espaço que a náufraga sabe bem o quanto custa.
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O controle remoto do meu som já está "correndo no automático": até que eu resolva trocar as pilhas dele ou deduzir o que o bichinho quer, definiu que não passa mais as faixas nem altera o volume. Só liga e desliga. Inacabado assim.
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ready to start - arcade fire

6.8.10

calefação

Tem que pôr um anos quentes, sabe?
Foi essa a dica do respeitável senhor.
Como tanta coisa nessa vida (pode) demanda(r) interpretação, a minha, naquele instante, fez prevalecer a repulsa.

Panos quentes em si própria.
Foi essa a devolução alheia à mesma dica.
Hoje fiz uso literal do conselho pras dores físicas, consequência do treino em viver uma vida deixada de lado. Nem precisou de interpretação tão subjetiva em nível de ser humano enquanto gente: a bolsa (mais prática que pano) de água quente ajuda a desfazer aqueles indesejáveis nós. E, por alguns instantes, faz da baixa temperatura lá fora, e das estalactites no nariz, questões tão secundárias.
Bolsa, minha gente. Sem gelo.
Aderi e não largo mais. Aliás, já não era sem tempo.
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Água da minha sede - Roberta Sá e Trio Madeira Brasil

1.8.10

trilha

Não sei se é a proximidade dos 30 anos – e sim, tem datas que me marcam até demais – ou o quê, mas tenho pensado mais na minha vida do que vinha pensando. Do que gostaria de pensar. Do que teria que já ter pensado.

Esses dias eu tinha um fusca laranja-escuro com portas cinzas; um espetáculo, o danado. De repente eu colocava uma turma pra ser levada de um lado a outro daquela cidade que não era Londrina, e aquelas pessoas que me eram próximas, mas não eram os meus amigos. Os amigos das sextas-feiras terapêuticas (pra todos), os amigos do durante-a-semana e do há muito sem se ver e sem se falar, mas firmes lá no latifúndio. Atemporalidade linda, essa.

Aí eu vi que, além da tonalidade bastante discreta, meu fusca tinha também (Smallville, te cuida) uma capa. Parei um instante e vi que a tal capa tinha um furo quase na borda. O fusca continuou rodando, com capa furada, mesmo aquilo me deixando incomodadinha.

Identificar o furo e viver com ele não impede o trânsito, mas haja função quando a tentativa é arranjar linha pra consertá-lo. Não fecha. Não dá pra esquecer que ele está lá, não tem como trocar a droga da capa, saco.
Vou comprar uma bicicleta. Ajuda?
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"Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce". Li isso num livro da Lya Luft (eu, que não me imaginava lendo Lya Luft, bebendo Ades ou comendo queijo branco) e concluí que a bike não resolve.
Ouvi que só fica pra escutar até o fim aquele que verdadeiramente ouviu o som do coração, da alma da gente, e pensei que até que a capa está inteirinha, com aquele furo. Afinal, é um dos primeiros, apenas.

Deixar-se lapidar - oh, céus - é preciso.
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One time too many - Phoenix