25.8.09

e assim foi

"A boca fala daquilo de que o coração está cheio", ela nos disse, citando o texto bíblico. Em seguida, pediu que cada um fizesse conchinhas com as mãos e olhasse, naquele espaço imaginário e, ao mesmo tempo, muito real a cada um, o próprio coração. De que cor estava? Do que estava se nutrindo, e o que estava disseminando? Era vermelho-vivo, ou "rosa apagadinho"?

O próximo passo, depois da reflexão, seria elencar ao menos um motivo pra dar um louvor, que fosse, a Deus. Me impressionei com a fluidez com que as palavras brotavam daqueles sujeitos mais quietinhos e tímidos até nos gestos. Graças por pessoas amadas em lugares muito, muito distantes, mas saudáveis; por provações superadas aqui e acolá; por vidas postas à prova por doenças e reconstruídas depois de muita fé. Por gente que se sentiu ungida porque, enfim, teve a sensação de que algo ou alguém não desistiu dele, ou dela.

Minha família, pelo menos o chamado 'núcleo duro' dela, está uns 200 quilômetros de distância de mim a maior parte da minha vida de adulta, todos os dias. Basta saber que existe e essa distância, por um instante, aplaca parte da saudade. Acho que é mal de português esse sentimento, não é possível...

(Ou é a gripe, ou eu ando muito besta esses dias. Que seja assim. A caixa do lápis de cor do meu coração é minha, ora, ora!)

Pensei nos meus amigos, os que cabem numa mão, mas que são essenciais. Pequenos anjos na minha travessia, e que, mesmo sem o laço de sangue, são motivos enormes pra eu ter, sim, louvores imensos pela vida minha, e a deles. Podem vir com ou sem sacos gigantes de gengibre nos dias de gripe; ouvidos e conselhos lúcidos nos momentos de angústia; braços e olhares fraternos nos de alegria - também usam o telefone pra eu parar um pouco o tempo enquanto ouço suas vozes; mandam pequenas mensagens eletrônicas pra saber que estou viva e que estão vivos e cartas coloridas pra eu sempre remexer nas caixinhas de 'lembranças que aquecem o coração'.

Enfim, meu coração está cheio do que esse povo todo semeia, de perto e de longe, de casa ou da casa. N'A Palavra, busco o combustível que faz deles seres essenciais e que troca, vez ou outra, minha caixa de lápis de cor por uma aquarela vistosa só em tons de vermelho-coração-pulsante.

Pequenas cápsulas de bem-estar/esperança diário.
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Reprise - Ludov

22.8.09

congestionamento

Pessoas apressadas correm à margem do lago com expectativas físicas e emocionais. Olhada rápida no relógio-cronômetro, um jeitinho pra arrumar o fone no ouvido e pernas pro desconhecido que fica. E elas passam.

Pessoas sentadinhas, sem pressa, sem pressa, celebram a algo numa mesa enorme, média etária dos 70 anos quebrada por dois garotinhos duns oito, dez anos, no máximo, junto delas. Todas enfeitadinhas e emprumadinhas, a expectativa de vida ali é ampla. O prato principal? Mousse de maracujá com chocolate.

Na contramão dos apressados e das celebrantes, lembro das palavras daquela senhora num esforço sincero de evocar à representação de algo que só eu compreendo, ou tente compreender. E a cada vez que eu tento, as portas me mostram que o caminho com pernas pro desconhecido é longo, longo. Sempre me falaram do poder das palavras - com a capacidade que têm de também construir, embasar e desconstruir teias humanas -; às vezes me sinto refém delas. Leio coisas que já escrevi e penso no latifúndio de bobagens em que já acreditei. Leio as palavras de hoje e penso em seguir aquele conselho de quinta-feira à noite: "tem outro nome. Não existe. O que existe é o que há", simples assim, óbvio, talvez, só pra mim. Por isso que hoje eu abdico de me tornar ferida alheia, ou, pelo menos (e é só isso que me importa agora), de alimentar as minhas. Agora 'Cuidado' vem em placas de alerta, e nesse fluxo confuso eu não me perco mais. Meus olhos não deixam.

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"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos".
(Pessoa)
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In my life - Beatles

18.8.09

memória

Na infância e adolescência, na contramão do restante da sala, eu sempre gostava das aulas de gramática - mas me deliciava mesmo era com as de interpretação de texto. Seria capaz de ficar horas escrevendo numa prova de interpretação não fosse o relógio; não é à toa que eu era sempre a última a deixar a sala. Assim foi no vestibular, assim foi na faculdade, assim acontece nas duas redações em que trabalho (ok, ok, o que nem sempre é bom, admito).

Nunca esqueço quando a professora de Literatura do terceiro ano, o derradeiro, dona Henriqueta - voz baixinha e constante, uma quarentona bem resolvida em nome de senhorinha -, nos apresentou a interpretação da "pedra no caminho" no Drummond. Lembro que pra muita gente aquela repetição de palavras e colocações soava enfadonha, e pior: sem sentido. Até que a dona Henriqueta pediu que substituíssemos "pedra" por "vestibular" (naquele ano-véspera decisivo e filho da mãe), e a coisa ficou mais clara.

Fico pensando hoje pros sinônimos dessa pedra. Podia ser a tosse dos últimos dias, acalmada de duas em duas horas com uma pastilha porreta que adormece a língua (meu Deus...); podia ser tanta coisa, abstrata, humana, caótica ou não. Dor nas costas. Chuva inconstante. Gastrite. Silêncio. Memória afetiva. Distância de quem de fato nos ama, e vice-versa. Enfim, tanta palavra pra caber nesse espacinho da pedra...

A boniteza nessa aridez é perceber que se pode ver na vida uma espécie de poema que se vai construindo aqui, ali. Tem dias que as peças não se encaixam, noutros, só peças como essas que eu elenquei, em outros mais, o poema simplesmente muda e permite novas colocações e rimas. Tirando a pedra, imagino, se encontra o caminho até o jardim. Até que eles passarão/e eu passarinho. Tanta coisa pra trocar, tanta. Mas mesmo com a sensação de rampa acima que eu relatei pro amigo querido, dia desses - sabe o mito do sujeito que rola a pedra tudavida, tudavida? É o Sísifo, coitado -, algo me diz que é rampa acima a seta indicadora, não tem mais jeito. É essa a interpretação que eu quero ter, agora, é ela que me cabe. Até pra não cair na armadilha de pensar em outros poemas do Drummond pros quais eu já tive sinônimos, mas hoje, só quero antônimos. Pelo menos até a próxima interpretação...

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Molho obrigatório com picles Trimedal, sem salada, sem queijo branco e uma sensação de surra no pau de arara sem pão de gergelim. Uma pastilha alucinógena pra quem adivinhar o que é isso.
Porque yo só vou saber amanhã.
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Liberdade - Marcelo Camelo

16.8.09

veja você

Diante do argumento da pouca grana, me rendi ao do "a vida é curta", de uma vez só lançado pela amiga, e desencanei. "Horas que bem que podiam durar dias", pensei, no meio do semi-transe provocado pela música e pelo saquê adocicado com a mistura de frutas tropicais no ambiente fechado e pouco ventilado, lindo pra uma mini-pandemia. Que beleza, agora, pastel de feira e muitas risadas depois, ter percebido que esta e outras (tantas) neuras ficaram da porta pra fora. Da porta pra dentro, só o Jackson Six alucinado e os neo Emos providenciados no celular tiveram vez, hehe.
Apesar da pedreira, eu si divirtu.
(Mais que ocasião, hoje isso virou uma necessidade)
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Conversa de botas batidas - Los Hermanos

13.8.09

angúsvida


Depois de tanto ouvir falar do mito de Sísifo e de ver que a pedra, antes só empurrada morro acima, agora tenta me esmagar (incrível como o corpo às vezes custa a reagir a essas ameaças), vou vendo alguns sinais difusos tentando tirar as lasquinhas dessa montanha.

Brasília?