Quando eu era criança, capa da invisibilidade e máquina do tempo eram as grandes piras por uma nação mirim mais feliz. Ê, se eram.
Na adolescência, o decodificador de pensamentos até me soava como uma boa aquisição no bloco de três pedidos ao gênio do copo d'água. Não, eu não usava nada de ilícito, apesar de o vício em café ter se consolidado nessa fase - mãos trêmulas em dias de prova, cruzes, que o digam -, apesar de eu ter gostado, e bastante, de curaçao blue com sorvete de limão. Céus.
Algumas decepções me alertaram pro perigo de um decodificador desses; a máquina de teletransporte ganhou espaço (a bem da verdade que eu ainda gosto de "De volta para o futuro", portanto,...) e eu enfim sosseguei na condição de reles mortal: passar no vestibular estava de muito bom tamanho. Sair dessa fase, idem.
Hoje, eu ficaria bem satisfeita com algo que me lembrasse - e funcionasse como, claro - um desfibriladorzinho de sentimentos, se é que dá pra se chamar assim. Basta programar, que pronto: você não se importa com o que não deve; não se chateia com aquilo que, depois, viu o quão bobo era; não liga a mínima se fizeram seu coração em pedacinhos bem miúdos com uma palavra, um olhar ou um gesto. Não se ilude com adjetivos, não sofre com os advérbios. Ah, os advérbios...
No contraponto, uma das muitas programações do dispositivo possibilitaria a você sentir (na dose ideal pro chamado "dia de se registrar pra sempre na memória") como que um detalhe às vezes tão irrelevante pode ser mágico, dependendo do ângulo de que ele é avistado.
Não haveria sobressaltos: só quando eu quisesse - e quando quisesse, parariam num apertar de botões.
Não haveria mau humor, tampouco inconformismo demasiado - mas neste último ainda vejo um lado positivo. Creio que o desfibrilador, aqui, seria ambiguamente perigoso.
Enfim, não haveria distorções. E eu seria pra sempre feliz.
* * *
Hoje começou o outono. E só hoje me toquei que nasci na estação preferida e que posso, sem culpa de incoerência, responder "quantas primaveras" completarei. São estações aparentemente opostas, mas, pra mim, se completam de algum modo. Pra perceber isso eu ainda não preciso de nenhum desfibriladorzinho de sentimentos, tá bem?
* * *
random: Lover I Don't Have To Love - Bettie Serveert
You write such pretty words
But life's no storybook
Love's an excuse to get hurt
And to hurt
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