31.10.02


M e m ó r i a

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

(Carlos Drummond de Andrade)


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Hoje o poeta faria 100 anos.
Parabéns, Drummond. Esse poema seu transcrito foi o primeiro e único que saberia dizer, de cor, a alguém muito especial.

Lembro-me com perfeição do dia em que o li pela primeira vez, numa aula de interpretação de textos, em meu distante colegial. A idade nem me pesa, mas as sensações dessa época quase que se apagaram frente a tantas novas descobertas por esta terra vermelha.

Quando li Memória, soube que guardaria para sempre as palavras do poeta em um recanto até agora inabitado. Depois li outro, e mais outro, e hoje tento levar a meus alunos aquilo que eu recebi como um presente de minha professora. Não tinha como ler Drummond por obrigação...mas, se tivesse, que prazer em mandar o ócio às favas!

Não sei se são de minha geração aqueles cadernos com perguntas, que passávamos entre os amigos para saber seus gostos pessoais. Lembro sempre de duas delas: a “Deixe uma mensagem para mim!”, porque sempre alguém escorregava na zoação e/ou no sentimentalismo adolescente (lembram-se de “S.A.L.A.D.A.”?!), e a “Qual é o seu ídolo?”. Pra essa última eu nunca tinha uma resposta. Não entendia como amigas minhas escolhiam John Lennon, muitas vezes não sabendo que os Beatles eram astros do rock, ou Jesus Cristo, amaldiçoando as tardes de sábado “perdidas” no cartecismo e, mais tarde, no crisma.

Mantenho minha posição, passados mais de dez anos. Não cultivo a idolatria, tento me manter longe de quem cultiva. Acho que é um passo certeiro para o radicalismo. Mas admiro muito Drummond, com sua simplicidade mineira e suas palavras, de reflexão profunda, numa época em que tantos perdiam as esperanças na humanidade.

Acima de tudo, Drummond era um otimista. Acreditava na raça humana, com todos os seus Hitlers, Stalins e Auwschitz em voga. E, ainda hoje, é capaz de enternecer até mesmo aquele que se diz o menos entendedor de poemas. Drummond nos trouxe a poesia, meus caros, deixemos as classificações formais para os parnasianos de plantão.

Obrigada, Drummond. Nunca troquei uma palavra falada com você, mas ouvi muitas, e que fizeram pequenas-grandes transformações em um espírito pouco animado com a raça em que você tanto confiava. Uma pedra já saiu, poeta, os pedregulhos e a areia, contudo, são tarefa pra vida inteira.


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