18.4.11

de novo

Atravessar a Eusébio Matoso (ou Rebouças? nunca vou saber) ou encontrar o mendigo de sempre, com a perna torta de sempre, com a caneca imunda, à mão, de sempre? Essa é a dúvida que me faz partir pra rua dos Pinheiros sempre que preciso ir à agência bancária mais próxima. O luxo da Faria Lima é logo preterido pela deterioração humana e urbanística do Largo da Batata só pra evitar de ver, novamente, a cena de engavetamento bem ao lado, à uma da tarde.

O mendigo pedinte na porta do banco é menos corrosivo aos olhos e ouvidos - pode isso? - que o trânsito dessa cidade. Por enquanto penso assim.
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Reparei que a mendicância é meio um status de vida por aqui. São muitos, nos mesmos bat-pontos, e com uma altivez que eu não estava acostumada a ver num sem-teto. Lembrei da comunidade antiga "nos EUA, até pobre fala inglês" do empoeiradíssimo orkut...

Esses dias, chegando ao metrô, ouvi dois senhores no terminal de ônibus do lado de fora comentarem animadamente há quanto tempo 'moravam' nas imediações. São dois mendigos que às 11h estão sempre batendo papo, chapéu ao chão, e à noite dormem bem mais cedo que eu: quando passo, já estão na calçada oposta cobertos sabe-se lá com o quê.

O senhor do pé torto à porta do banco tem um jeitão mal humorado. Confirmei no dia em que perguntei a ele se precisava de ajuda pra atendimento médico e ouvi um "preciso é de dois real, moça, vai ter?", na resposta capaz de embriagar caso o tête-à-tête durasse mais alguns segundos. Ok, desculpa por existir, tá?

O estranho é que esse mendigo do banco (hum. faz sentido...) é gordo. Mendigo gordo. Antes de pensar na destinação ilícita do trocado, prefiro imaginar que não dando dinheiro eu estou é ajudando o sujeito. Não vai comer porcaria na rua. Não vai!
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Aí lembrei da senhorinha de 70 e muitos anos que ficava à porta do mercado Musamar, em Londrina, fazendo seus biquinhos de crochê em pano de prato. Vendia cada um por cinco, sete reais, mas com uma dignidade impossível de mensurar.

Atitude digna, sem dúvida. Mas cada vez que eu via aquela mulher tendo de vender pano de prato por necessidade, dava era um misto de nó na garganta e de revolta. País sem valores. Ou de valores trocados.
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Eu disse aqui um dia que queria que 2010 fosse um ano que deixasse saudade só das coisas feitas, executadas, não deixadas apenas na intenção. Cumpriu o voto.

Um 2011 de (re)descobertas, encontros e reencontros pode complementar a intenção de outrora. Posso dizer que, musicalmente, meu ano tá bem razoável.

vermelho - marcelo camelo

11.4.11

desencaixotaterapia

Quando choramos a morte de alguém, na verdade choramos nossa própria morte. Essa ideia é de Santo Agostinho. Ouvi-la hoje depois de uma tragédia como a que se abateu sobre aqueles pais, avós, irmãos, padrinhos e amigos faz muito sentido. Muitos morreram junto com seus pequenos, e sentir compaixão por essa gente toda, mesmo sem conhecer quaisquer deles, é um sinal de que a vida agitada, apressada e no vaivém insano da impessoalidade que atropela até mesmo o olho no olho não está de todo perdida.

Vai demorar pra esquecer daquela avó que lembrou com dor: tinha se despedido com um "Vá com Deus, Deus te acompanhe" sem saber que nunca poderia repetir o gesto à neta de 13 anos.

A dor dessa mulher me ajuda a entender e pôr panos quentes e macios na minha: afinal, a vó (diferente de 'avó', entende?) tão querida e tão saudosa cumpriu a ordem natural das coisas. Não passou pela tristeza de ver isso se inverter numa realidade embrutecida por homens.
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O massacre em Realengo aconteceu no "dia do jornalista". Na manhã seguinte, um jornal daqui de São Paulo estampava, em nada menos que meia página, a foto do rapaz doente (ou, pro béin-sensato governador fluminense, "animal") abandonado em sangue, cabeça perfurada --a cereja, em suma, num bolo de completo desvario. Dia de quê? Comemorar o quê? Obrigada, eu passo.
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É preciso se deixar morrer todos os dias.
Também faz todo o sentido, cara pálida.
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Abri ontem as últimas caixas da mudança (passa uma brisa por meu quarto agora, impressionante), depois de mais de mês de CEP novo. Segui os conselhos duma querida e, caso mude um dia novamente, prometi pra mim mesma o deadline máximo de uma semana pra me desfazer de todo o papelão. Não pode, não pode!

Voltei a ter minhas plantas - e gozado como são elas, e não a organização xuxuzinha do apê, que o transformaram de 'casa' em 'lar'. É a ordem natural daquilo que renasce, não? Também faz todo o sentido.
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mapa mundi - tiê e thiago pethit