O gadjet na área de trabalho marca 25 graus, tempo bom, até uma lua estampa o quadradinho. Olho pela janela do 18º andar e uma névoa esconde alguns relâmpagos lá longe. A garoa, foi só a amiga perguntar e eu responder com um “ainda não”, agora me pega todo dia, na saída. Não consegui alterar o gadjet. Gosto de ver “Londrina” escrito nele.
Foram onze anos me acostumando com a idéia de ter me tornado, sabia-se lá por quanto tempo, cidadã paranaense. Muito melhor: londrinense. E cidadã no sentido mais completo da palavra – longe de ter praticado uma cidadania “perfeita” (se é que isso existe, tendo o ser humano a comandá-la) – creio que foi mesmo a terra vermelha quem me ensinou a ser.
No fim, acho que Londrina também acabou se acostumando a mim. Eu não imaginava.
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O gadjet marca a terra que fez as marcas mais profundas. O sábado em que parti com o carro cheio de tralha, costas cansadas de mudança e o coração leve e pesado deixou mais uma delas na lembrança. Como esquecer aquele por do sol dourando a plantação e ensaiando uma aquarela bonita, mas tão bonita, no céu tão azul? Lembro bem que, logo que cheguei, caloura irrestrita, o Calçadão da avenida Paraná (o do falecido petit-pavet) e essa imensidão azul me impressionaram na cidade dita planejada. Se “seta de carro era (é, na verdade) opcional”, a presteza do londrinense bateu de vez o martelo quando fiquei em dúvida sobre onde fincar a vida adulta. Não precisava de muito mais, pensei. Que engano.
“Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?” Eu precisava de muito mais, ainda. Por isso Londrina me ensinou também que o amor tem tantas faces, e que a vida as vai revelando aqui, ali, lá longe, cá dentro, no tempo certo. O tempo que eu não posso controlar, mas que transcende muito além dos ponteiros de um relógio.
Um amor que faz crescer e que cura. Que martela a alma e que sorri no fim de uma semana pesada, na sexta-feira das saudades e das contagens regressivas diárias. Que acalma, sossega e transforma tudo em lava vulcânica de novo – um amor desordenado e mesmo assim cheio de sentido. Amor que ensinou a entender, enfim, que a escolha profissional é pedaço tão importante da escolha de vida quanto a família que o garante seguro. Essa família sem o laço de sangue, porque nem precisa disso: existe e pronto. Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? As criaturas me ajudaram a encontrar essa resposta.
Sou uma multiplicadora de saudades. Londrina é a potência da equação.
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Nas tralhas de seis anos de rua Alagoas – uma de tantas ‘capitais’ londrinenses e inesquecíveis –, encontrei cartazes de algumas edições do Festival Internacional de Teatro, o Filo. Nunca viraram os pretensos quadros, porque a paixão pela ideia logo esmoreceu. Junto com aqueles canudos, mas não do festival, um deles trazia esta mensagem:
“Algún dia / Em cualquier parte / Indefectiblemente,
Has de encontrarte contigo mismo / Y solo de ti depende
Que sea la más amarga de tus horas / O tu mejor momento”
Um tal de “M. de Combi” que assina. Sabido, esse moço.
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Hoje é aniversário de Londrina. Não tem garoa que embace a gratidão que eu carrego.
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Forasteiro - Thiago Pethit
Um comentário:
É engraçado...Tinha que ser esse ano ir te visitar Londrina, não é mesmo?
Pelo menos um pouquinho, eu sinto o que você sente.
Bjo
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