28.4.10

(re)descobrindo

Em duas semanas, duas descobertas lindas de uma Clarice quase cronista - porque ela não aceitava o rótulo -, de publicações no JB entre 1967 e 1973. Se era tão misteriosa que não se entendia, como sublinhou num desses escritos, ela também mostrou um lado capaz de tocar pela simplicidade que não é, necessariamente, rasa.

Sensação de gratidão imensa por essa brasileira. Tenho sido avessa a cartas, mas, se estivesse viva, ela seria a destinatária de uma, bem especial (pra autora), de poucas palavras – que escrevo mentalmente, todos dos dias, terminada a leitura (aqui, sim, difícil achar um fim; quer-se sorver tudo no menor e no maior tempo): Clarice é poesia pura.
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Uma dessas publicações, de 29 de março de 1969, está transcrita abaixo. Curioso procurar pelos textos dela na web e achá-los em partes – ainda que não sejam, como se observa este um, extensos. Ainda que fossem! –; assombroso ver que os ‘rapidinhos’ cortam trechos inteiros, substituindo-os por colchetes e reticências, e suprimem o que jamais poderia sê-lo. Acreditam, assim, estar difundindo a obra da escritora. A que custo?
E deu.
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O impulso


Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse. Quero melhorar e não sei como. Sob o impacto de um impulso, já fiz bem a algumas pessoas. E, às vezes, ter sido impulsiva me machuca muito. E mais: nem sempre meus impulsos são de boa origem. Vêm, por exemplo, da cólera. Essa cólera às vezes deveria ser desprezada; outras, como me disse uma amiga a meu respeito, são cólera sagrada. Às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é benéfica a alguém ou a mim mesma. Às vezes infringir o impulso me anula e me deprime; às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna.
Que farei então? Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.
Lispector, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
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vagabond - wolfmother

3 comentários:

mari disse...

decidi: nunca serei madura o bstante! bjo com gosto de saudade

Regiane disse...

Tô chegando, curu!!
Ai, tb estou numa fase clariciana! Acabei de ler a biografia dela. Em uma das páginas tem uma citação dela dizendo que a literatura não serve pra nada. Se ela soubesse que ela já me salvou, muitas e tantas vezes, será que ela ficaria feliz?
Bjo

Fer Borges disse...

Amo Clarice... impulsivamente.
Bejins