29.12.09

pelo sabor do gesto

O Natal em casa me chamou a atenção às pequenas iniciativas cada vez mais deixadas pra trás num mundo de facilidades – facilidades compráveis, claro. Me lembro de como era bom, no final de semana, tarde de sábado com Chacrinha rolando solto na TV, minha tia comprando umas bolachas de leite redondas, mas cheias de quadradinhos (que voltaram recentemente mas podiam sumir, junto com as Passatempo. Ugh.). Nas lembranças, me pego acompanhando meu avô lavando o carro, ou meu pai dando um trato na motoca.

A vó falava que o carro ainda enferrujaria, tamanho o cuidado semanal. Ocorre que meu avô tinha um oleozinho danado, em spray, cuja aplicabilidade até hoje desconheço, mas que obtinha a façanha de o conselho da esposa não se transformar em sentença.

Enferrujaram-se os hábitos, deram spray em outros, os tempos mudaram. O lava-jato dá conta da limpeza do veículo, mas não com aquele zelo do todo-mundo-querendo-ajudar – um com os tapetes, outro querendo lavar os pneus. No final da tarde, enxarcados, ainda tirávamos no par ou ímpar, eu e meu irmão, quem faria os serviços de secagem antes do banho e do passeio triunfal. Curioso é que sempre um ganhava (não conheço, ainda, outra possibilidade pro par ou ímpar), mas nenhum abria mão de sair flanela em punho pra tirar a última gota do capô. Pu-ra emoção.
- - -
O supermercado oferece uma sem-gama de possibilidades pra ceia natalina. Na fila pro pão, vi pessoas desesperadas em busca de massas de preparo simples, desde que com um mínimo de planejamento. E olha que sou eu falando... Na contramão desse processo, a preocupação de minha mãe com algo feito por ela própria, da origem à embalagem de presente, me tirou um pouco do torpor. Assim como as horas investidas de limpeza do carango regadas a conversa com o vô amado.
- - -
É um torpor estranho, esse; sazonal, mas com uma intensidade que ainda estou descobrindo, nesse final de ano - até pra saber se ele é um mal estar passageiro ou uma seta indicadora. Aquele mal estar de sentir tudo seguindo um ritmo impessoal, sistêmico, em que todo mundo é o 'querido' da vez agora, ou daqui a pouco – não importa: importante é dizer, travestido de certa cordialidade –, sendo o 'querido' seu conhecido ou seu melhor amigo de anos. Acho que enferrujei, ou não entrei ainda nessa engrenagem de facilidades não exatamente dispostas numa prateleira física, mas presentes no atacado com um mínimo de prática. E de estômago.
- - - - - - - - - -
A vida foi feita pra ser parida. Ela me faz movimentos de contrações, e eu entro nela.
O problema é a hora do parto: se estará, algum dia, plenamente pronto pra ele?
- - - - - - - - - -

Que o próximo ano venha sob medida. Sem pesos nos dois lados da balança, por mais incrédula que eu me sinta apostando nisso.
- - - - - - - - - -
Ambição - Rita Lee (versão Zélia Duncan)

15.12.09

ahn? onde? como? por quê? "Pra quê?"

Fim de ano aí, verão no bico (eu podia não lembrar desse detalhe...), balanços do que se fez e se deixou de fazer batendo na porta, enxeridos. Eu tento evitá-los, e esse ano o balanço seria um tanto, digamos, diferente - em vários sentidos. E nem tão diferente assim, em outros. Algumas capacidades minhas parecem infinitas. Só parecem, eu vou descobrindo aos poucos, movida ao canto e a fogo. A dias que valem muito a pena e a dias que, enfim, fazem-parte-do-calendário-e-pronto. Precisam existir, que se há de fazer?

Seria um balanço tão diferente que eu prefiro só pensar que 2009 vai acabar num estalar de dedos e 2010 vai ser um ano pra deixar muita, mas muita saudade. E dessa vez, não de mim.
-------------------

Love will tear us apart - The Parsonage

10.12.09

sem papel de presente

- a vida é movimento
"Quem pariu Mateus que o embale"
- a vida é movimento
"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"
- a vida é movimento
"Só se pode viver perto do outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor"
- a vida é movimento
"Nada pode o olvido / contra o sem sentido / apelo do não"
- a vida é movimento.
-------------------
Eu vejo Mateus ser embalado e o embalo. Cativo o que pode ser um fardo ou "um descanso na loucura" sobre minhas costas ou parado na garganta. Não tenho ódio, graças a Deus, porque alguma coisa ainda me faz crer que nem tudo nesse mundo cão está perdido. Quase perdido? Vai saber - pro totalmente, faltam algumas léguas das quais quero outras de distância. Acredito mais (ou menos) do que deveria acreditar, duvido menos (ou mais) do que deveria duvidar, entendo cada vez menos (ou mais) de livre-arbítrio de cima de um muro a despencar e corro, porque é em movimento que eu quero ser, também, espectadora dessa descoberta caoticamente organizada a se embalar.
-------------------
Mais alguém - Roberta Sá

8.12.09

apud cá dentro

Passei a desconfiar de certos chavões. Desconfiança que pode ou não ser sinônimo de incredulidade.

Chavões como o do "quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece". Troquei os verbos. Vi que o chavão pode, sim, fazer todo o sentido.

Passei a desconfiar também de algumas citações que antes, pra mim, não passavam mesmo de citações literárias – lindas, mas próximas demais, talvez, de um dia a dia tão do outro. Um outro lírico, distante do meu cotidiano do, muitas vezes, um-dia-depois-do-outro. O dia a dia das contagens regressivas, dos abraços perdidos e das saudades martelantes.

Citações de Sartre, tentando delimitar um pouco do inferno que há na terra; citações de Guimarães que me tocaram pra sempre, quando li, num chão de museu, que "qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura".
(...)
Sinônimo, não: a desconfiança é o antônimo.
----------------
29 - Legião