24.12.12

feliz natal

Dona Leda. Funcionária pública, 51 anos, olhar em que se confundem resignação e impotência. É como se, de longe, alguém acenasse a ela permanentemente, dizendo: "Desta vez, não".

Perdeu o filho para as grades do Estado há sete anos. Recebeu-o de volta quando, por ordem de um juiz, ele tentou cursar Letras na universidade federal. Mudou o juiz, mudou a sorte do filho. Cana. Dona Leda dá o que os jornalistas chamam de "nariz de cera" para explicar que a pena é por homicídio. Pela conversa inicial, ela quase convence o interlocutor de que agressão fora o delito para os 12 anos da condenação.

O filho de dona Leda é um dos 69 presos contra os quais é investigada tortura em uma penitenciária de segurança máxima de Santa Catarina. No Estado das belas praias e do "terceiro metro quadrado mais caro do Brasil", como dizem três em cada dois taxistas, o filho de 33 anos da funcionária pública está dentro de uma unidade que não faz mais gênero ao corregedor-geral de Justiça, um japonês de fala grave e pausada: "É o presídio em que mais temos denúncias de maus tratos".

Não há desses casos em Jurerê, cercada de seguranças e champanhe nas taças à beira mar, fato. Do lado de fora do muro vigiado também por um joão-de-barro, dona Leda manda a dona do quiosque anotar a coca, o salgadinho e a água de outras mães e mulheres na conta dela própria. "Tá errado, Leda, não pode", alerta a dona do caixa.

Dona Leda olha o relógio, o sol forte, pensa nas duas semanas sem ver o filho e sussurra: "É uma angústia de viver muito grande, moça. Lá no fundo do peito, é uma impotência que não sei dimensionar". Ninguém sabe dimensionar a dor de dona Leda. Não tem lide essa dor, tem só um eterno nariz de cera resistente ao tempo.

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Escrevi esse texto mês passado numa viagem de trabalho. E durante uma longa espera, sem comida e sob sol forte, para a entrevista que trataria de... direitos humanos. (ok, ok)

Semana passada, a espera pela luz verde do semáforo me pareceu mais longa que a de São Pedro de Alcântara. Era num cruzamento muito familiar de Londrina, por onde já passaram sonhos e ansiedades, mas que, naquele instante, me brecou o ímpeto das lembranças fraternas quando a senhorinha de cabelos muito brancos e sorriso no rosto enrugadinho me ofereceu panos de prato pintados à mão.

"É uma impotência que não sei dimensionar", dona Leda.
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