16.11.09

em progressão geométrica

Hoje eu pensei nas contagens regressivas, no quanto já fiz uso delas e o quanto me instigavam. Contagem regressiva pro aniversário e as puxadinhas de orelha que meu pai me dava, correspondentes aos "novos anos". Bobinha, achava que os (bem) mais velhos tinham orelhas maiores pela proporcionalidade de tantos puxõezinhos festivos.

Contagem regressiva pro Natal. Eu e meu irmão deixávamos um par de calçados na beira da árvore, na sala, pra no dia seguinte, cedinho, correr lá ver o que o Santa tinha deixado pra gente. Morria de medo de deitar tarde (é, isso faz tempo) e ouvir os passos do dito cujo chegando. E nem chaminé eu tinha.

Contagem regressiva pras férias de fim de ano. Criança/adolescente é mesmo um bicho estranho: passava o ano todo se lamuriando das provas, torcendo pra julho e dezembro chegarem, fazia a tal contagem, mas aí chegava as férias e era um chororô danado das amigas que se separavam aquela enormidaaaade de tempo.

Contagem regressiva pras férias celetistas. Aleluia, irmãos.
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Hoje, algumas contagens regressivas são verdadeiras portas pro desconhecido, certas vezes, ou minas d'água sob o sol a pino, noutras. Instigam, mas sem a ingenuidade de outrora. É algo meio sem nome, meio sentido, meio vivido, meio sonhado. Com os dois pés bem fincados no chão, é verdade. Sem areia.
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As minhas contagens são regressivas. Vi uma série de reportagens na TV, esses dias, sobre pessoas desaparecidas, e tentei, por alguns minutos, me colocar na pele daqueles que esperam daquela forma - naquela contagem progressiva infame e corrosiva, a fórceps, revestida de esperança. A mãe adotiva que viu a filha de 16 anos sumir, ficou doente, fez a mastectomia e descobriu, meses depois, que a filha não estava morta: havia fugido com um rapaz. Descoberta seca, ao telefone, misturada a alegria e tristeza. Acho que nunca mais vou esquecer as olheiras daquela mulher: "Quando eu mais precisei dela, ela não estava lá. E eu dei tanto carinho..."

Outra mãe - essa que foi uma das mais emblemáticas na série - esperou, esperou, mas a filha não voltou. Viva, é verdade: haviam feito maldade à pequena dela, encontrada num desses terrenos baldios onde jazem as vítimas de famílias açoitadas de realidade. A mãe fundou uma associação pra ajudar outras famílias na busca de seus desaparecidos e disse uma coisa tão bonita: "É como se eu encontrasse minha filha em cada reencontro que acontece. Os reencontros são sublimes."
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Por um instante, o tempo pára.
Sublime.
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Haja o que houver - Mylene (canta Madredeus)

6.11.09

quente e frio

O moço na fila do restaurante, ontem à noite, me alertou: "Cuidado, moça. Essa colher tá quente. Se for se servir, pega com cuidado". Os borrachudos que atacaram a mesma mão direita (e pernas, braços, cotovelos...) horas antes, em frente à unidade prisional onde cumpria a pauta, não tiveram o mesmo zelo comigo. Mão gorda, mão gorda.
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É curioso como algumas pessoas tentam esconder fatos criando outros. Ontem, agente público preso sendo solto, um sujeito passa à frente de equipes de reportagem, dando rasteira e recebendo o apoio do irmão do ex-detento (que pedia pro carro seguir "reto", ou seja, à nossa frente), xinga Deus e o mundo. Em cinco anos e pouco de cobertura política, confesso que certas coisas ainda me assustam. O ser humano sempre é surpreendente, não tem jeito – e talvez o dia em que eu deixar de pensar assim, imagino, será pra mim uma constatação surpreendentemente triste.
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Cheguei à minha mesa desordenada, no fim do dia, e havia uma caixa bonita com um bilhete em cima: agradecimentos pelo retorno do "membro querido da família" (sim, o tal sujeito que eu acabara de ver saindo sob escolta da claque) e, dentro dela, três fatias de (pizza? Não,) bolo. Bolo de aniversário. Amigos e colegas haviam comemorado à tarde os três aniversários da semana, na gentileza de um companheirão de anos de casa. Comemoraram também o trote do ano. Pata, patinha.
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A colher quente, o bolo guardado (três fatias; olha a pujança), a articulação de alguns vários só pela reação à pegadinha e a frase que encerraria minha noite, de fato, antes daquela do moço no restaurante: "só se oferece aquilo que se tem".
Surpreendentemente simples, é verdade.
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Tempos Modernos - Lulu Santos