Na infância e adolescência, na contramão do restante da sala, eu sempre gostava das aulas de gramática - mas me deliciava mesmo era com as de interpretação de texto. Seria capaz de ficar horas escrevendo numa prova de interpretação não fosse o relógio; não é à toa que eu era sempre a última a deixar a sala. Assim foi no vestibular, assim foi na faculdade, assim acontece nas duas redações em que trabalho (ok, ok, o que nem sempre é bom, admito).
Nunca esqueço quando a professora de Literatura do terceiro ano, o derradeiro, dona Henriqueta - voz baixinha e constante, uma quarentona bem resolvida em nome de senhorinha -, nos apresentou a interpretação da "pedra no caminho" no Drummond. Lembro que pra muita gente aquela repetição de palavras e colocações soava enfadonha, e pior: sem sentido. Até que a dona Henriqueta pediu que substituíssemos "pedra" por "vestibular" (naquele ano-véspera decisivo e filho da mãe), e a coisa ficou mais clara.
Fico pensando hoje pros sinônimos dessa pedra. Podia ser a tosse dos últimos dias, acalmada de duas em duas horas com uma pastilha porreta que adormece a língua (meu Deus...); podia ser tanta coisa, abstrata, humana, caótica ou não. Dor nas costas. Chuva inconstante. Gastrite. Silêncio. Memória afetiva. Distância de quem de fato nos ama, e vice-versa. Enfim, tanta palavra pra caber nesse espacinho da pedra...
A boniteza nessa aridez é perceber que se pode ver na vida uma espécie de poema que se vai construindo aqui, ali. Tem dias que as peças não se encaixam, noutros, só peças como essas que eu elenquei, em outros mais, o poema simplesmente muda e permite novas colocações e rimas. Tirando a pedra, imagino, se encontra o caminho até o jardim. Até que eles passarão/e eu passarinho. Tanta coisa pra trocar, tanta. Mas mesmo com a sensação de rampa acima que eu relatei pro amigo querido, dia desses - sabe o mito do sujeito que rola a pedra tudavida, tudavida? É o Sísifo, coitado -, algo me diz que é rampa acima a seta indicadora, não tem mais jeito. É essa a interpretação que eu quero ter, agora, é ela que me cabe. Até pra não cair na armadilha de pensar em outros poemas do Drummond pros quais eu já tive sinônimos, mas hoje, só quero antônimos. Pelo menos até a próxima interpretação...
* * *
Molho obrigatório com picles Trimedal, sem salada, sem queijo branco e uma sensação de surra no pau de arara sem pão de gergelim. Uma pastilha alucinógena pra quem adivinhar o que é isso.
Porque yo só vou saber amanhã.
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Liberdade - Marcelo Camelo
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Um comentário:
Queridona, se você visse minha cara de silêncio depois que li isso, você também não falaria nada!
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